segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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"Era uma vez" é tão corriqueiro! "Era uma vez" é tão trivial! Ideal para a história que tenho para contar.

Era uma vez uma mocinha, pequena, sabida, silênciosa.
Acordava todas as manhãs ainda com o peso do dia anterior. Fingindo não ligar , carregava seu fardinho pelos "amanhãs" encenando leveza!
Ensaiava alguns sorrisos, exibia certa simpatia, mas não podia expor a alegria que não sentia.
Deixava o tempo correr conformada, sem ansiedade, sem muita calma, apenas permitia que passasse, sem que ela se sentisse parte dele. Era alheia ao tempo.
Todas as noites saia sozinha, batia na mesma porta e esperava que aquela senhora de vestes coloridas e olhos brilhantes e saudosos abrisse a porta.
A senhora atendia pelo nome de Lembrança, estava sempre muito disposta esperando que a pequena a chamasse e a convidasse para um passeio que Dona Lembrança sempre aceitava. Saía livre pela porta de encontro à pequena que se sentia bem na presença dela. Dona Lembrança fazia ela rir, gargalhar, reviver.
Mas quando Dona Lembrança se recolhia a sua casinha outra vez a menina parecia cair. Ficava insegura, vazia, frágil, sozinha.
A senhora de olhar cintilante era sua única companheira, a única que ficou do seu lado. Se afastar dela era se afastar do tudo.
A pequena mal sabia que não precisava se preocupar, Dona Lembrança jamais a abandonaria de vez.
Ela nunca abandona, nenhum de nós.

Ramona C. Reichert

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010



Estavam os dois ali, sentados sob a sombra do grande carvalho plantado no quintal. Não sabiam o que a noite que se aproximava lhes reservava, sequer queriam saber. Estavam ali, apenas, absortos no que sentiam, se olhando, como sempre e em qualquer outro lugar.
Ele dizia a ela coisas lindas de se ouvir, agradáveis de sentir.
Relembrava com doce saudosismo o que já haviam vivido de mãos dadas pelo tempo. Percebera, ao falar, que sua própria segurança era a mão dela na sua, advinha da dependência dela por ele. Conhecera uma pequena doente, amedrontada e assustada e oferecera a ela uma mão firme para segurar. Mas repentinamente ela começara a crescer estrondosamente, tal qual o carvalho que naquela ocasião os resguardava do sol. A delicada e indefesa plantinha que acolhera, tornara-se algo enorme diante de seus olhos, a pequena e fragilizada menina se tornara grande e independente.
Onde estava ele em sua vida agora que ela não precisava mais de sua mão?
De longe eu via que a insegurança o tinha tomado, que pecava pelo medo, que buscava outra necessidade para zelar por ela, que tentava a dominar, deter aquela força violenta que explodia nela em crescimento e o fazia se sentir menor em sua vida. Não queria permitir que ela soltasse sua mão.
Talvez, de fato, isso estivesse acontecendo.
Ela, por sua vez, disse a ele coisas cruéis de se ouvir, dolorosas de sentir. Assim como o carvalho, para crescer ela precisava de espaço. Ele não abria, podava os seus galhos maiores, afastava quem se aproximava para admirar seu crescimento ou beleza e a deixava sem ar. A intenção dele era a melhor para ele, a dela, melhor para ela. Embora ainda de mãos dadas, já não vivam o mesmo ideal. Cansada, ela clamou por seu espaço. Ele não pode recusar.
Mas naquela noite em que pudera respirar todo o ar, e sentir todo o espaço livre que agora era seu, percebera que deixara de dizer uma única coisa a quem amavelmente sempre chamara de anjo, seu anjo: não há arvore que cresça sem solo fértil. Não há pequena menina que cresça sem base, que cresça sem ser a base de amor, atenção e reconhecimento.
Ela esquecera de dizer que jamais soltaria sua mão.
Eu a conheço muito bem. Sei que jamais soltará.


Ramona C. Reichert

sábado, 13 de fevereiro de 2010




"Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também."

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A vida é doce - Lobão

Está pra nascer um doido mais fora e mais genial que esse tal de Lobão. Adoro!



"Com a mesma falta de vergonha na cara eu procurava alento
No seu último vestígio, no território, da sua presença
Impregnando tudo tudo que...
Eu não posso, nem quero, deixar que me abandone.
Não posso, nem quero, deixar que me abandone.
Não posso, nem quero, deixar que me abandone não.

São novamente quatro horas, eu ouço lixo no futuro,
No presente que tritura, as sirenes que se atrasam pra salvar atropelados que morreram, que fugiam, que nasciam, que perderam, que viveram tão depressa...
Tão depressa, tão depressa

A vida é doce, depressa demais.
A vida é doce, depressa demais.
A vida é doce, depressa demais.

E de repente o telefone toca e é você do outro lado me ligando,
Devolvendo minha insônia, minhas bobagens,
Pra me lembrar que eu fui a coisa mais brega que pousou na tua sopa.

Me perdoa daquela expressão pré-fabricada
De tédio, tão canastrona que nunca funcionou nem funciona!

A vida é doce, depressa demais..."