terça-feira, 27 de abril de 2010


A águia precipitou-se penhasco abaixo, saltando com força da rocha onde edificara seu ninho. Após os segundos atormentantes que precedem o mergulho, pode-se ver seu corpo rasgando o ar em direção ao céu, o bico forte apontado para cima.Como a fênix que renascia das cinzas, a águia deslizava em direção ao céu após o mergulho quase fatal.


Era impossível manter a ascenção daquela forma por muito tempo, mas ela sabia como proceder. Traçava linhas curvas no céu, indo e voltando, e, assim, ganhando cada vez mais altura.Elevava-se entre as nuvens, onde o ar se tornava escasso. Ascendia no horizonte longínquo daqueles que olhavam sem ver, e viviam sem entender as razões que levavam a águia a querer atingir o manto azul que cobria todas as coisas. Manto este que era alvo de sua visão perspicaz e aguçada, e que não era impossível de se alcançar, para aqueles que contassem com um par de asas fortes que batiam de forma agressiva, mesmo sendo uma violência vagarosa.

Havia determinação nos olhos e em cada rufar das asas do pássaro.Conhecia o caminho, mas os olhos abertos demonstravam sua obstinação em atingir o ponto mais alto do céu e de si mesma. Vencia cada corrente de ar de forma heróica, sem nunca deixar de subir.


Minutos depois, alcançara o ápice e gozava de vencer o desafio. Agora, planava calma perto das nuvens, o mais próximo que se podia chegar. Era um ponto quase invísivel no azul celeste. Era um ser quase invisível em meio a tantas gentes e coisas. Era o que queria: Estava em sintonia com sua essência, respirava e se mantinha no mesmo ar, estava entregue à sua natureza e se sentia o próprio céu em que se deitava.


Após nadar tranquilamente na imensidão azul sem paredes ou limitações, lançou-se a bater as asas novamente, tentando ir ainda mais alto. Impossível, àquela altura e com sua situação física. Mas tentara, e havia subido mais um par de metros. Do alto do universo e de sua consciência, fechara os olhos e lançara-se outra vez em um mergulho, mas agora sem pressa para retornar. Juntou as asas ao corpo, mas expandiu seu coração por quilômetros.Entregava-se sem medo ao abraço que não viria, e seu único objetivo era tornar-se parte do chão que a aguardava.


O silêncio imperou pelas montanhas naquele momento, como se cada criatura viva entendesse a agonia da águia e lhe prestasse seus respeitos. As pedras não rolaram, o vento não soprou e nem sequer beijou as folhas do eucalipto naquela manhã. As raposas permaneceram no ninho, e os coiotes uivaram em um tom triste, de dentro de suas tocas.O pai não soube responder quando a criança perguntou, vendo a águia lançar-se rumo ao chão, naquele mesmo longínquo horizonte outrora citado. O pai também não soube por que lhe correra uma lágrima naquela manhã tão comum.

A criança ficou sem resposta, mas havia entendido alguma coisa. Havia sentido a águia lhe fitando por um breve instante com seu olhar microscópico, tão mais potente que o da criança qua não vira, mas entendera.E ouviu as palavras da velha águia cansada ecoando entre os penhascos por tantos anos depois, naquela mesma região. Na mesma região onde ele, um dia, encontrara um ninho encravado em um rochedo, e decidira tentar ir mais alto.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Feliz para sempre ao avesso

Conheci Ana na escola, quando muito pequenas e desde então ninguém sabia mais dela do que eu.
Ultimamente Ana estava estranha, embora sempre tenha sido um pouco.
Eu estranhava seus olhos não brilharem, estranhava aquele sorriso estreito.
Eu estranhava sua voz tão baixa e aquilo que lhe apertava o peito.

Ana era cheia de sonhos, tinha a cara limpa e não devia nada a ninguém.

Porém, de uns tempos para cá Ana não sabia porque levantava.
Não sabia porque saia de casa, porque dizia que amava, porque abraçava, enfim...
porque se deixava sujar pela lambança dos porcos em volta.

Ela nunca quis um amor para sofrer e nunca teve talento para o perdão.
Ela queria um amor de viver. Seu pecado era confiar no coração.

Ana via de longe alguns amores perfeitos, se perdia na espectativa de ter um também, mas isso nunca foi digno dela, e sabia, era bem feita demais para um mundo tão imperfeito.

A pobre se perdia entre suas espectativas e frustrações, entre as quedas e as projeções. Vivia aos trancos e barrancos, esbarrando no apego, rompendo com a própria verdade, engolindo a seco, batendo no peito para disfarçar qualquer dor.

Andava... andava... amava.. andava... andava... odiava... andava... gritava... andava... calava... andava... andava...
- Amor não faz sofrer, amor deve fazer florir.
Dizia, desiludida.

Ana não era mais Ana.
Ana não havia sido feita para o amor.
Ana estava no mundo para viver de literatura, de música, de dança e de fantasia. Ana nunca esteve preparada para a realidade.

Aprendeu por fim, com serena tranquilidade, que havia nascido para viver só.
Foi assim que seguiu seu destino deixando apenas pequenas lembranças por onde passava, não atava laços para não ter que desatar, não deixava marcas para não ter que apagar, não aceitava nada para não ter que devolver...
e foi assim, bem assim, que ela se manteve feliz, feliz para sempre ao avesso.

Ramona C. Reichert

terça-feira, 6 de abril de 2010

Estou ficando velha




Pois é, aqui estou eu, há alguns dias de completar 22 anos, pensando na minha vida, no que eu fiz, no que eu sou, no que eu me tornei.

Eu sou um emaranhado complexo de coisas tão simples...

Eu faço farelo quando como e não sei cozinhar, não sinto a ponta dos dedos dos pés, e há quem diga que meus pezinhos 34 são os mais lindos do hemisfério sul. Há quem diga também que quando estou feliz faço cara de criança em parque de diversão.
Eu não durmo se a porta do roupeiro estiver aberta ou a roupa de cama amarrotada, sem contar que nunca durmo menos de 8h por noite.
Dizem que eu pisco quando estou dormindo e não tem coisa que me dê mais sono que carinho na orelha ou que me irrite mais do que falar logo que acordo.
Eu tenho um conjunto de pintinhas no braço esquerdo que forma o cruzeiro do sul (só duas pessoas perceberam isso até hoje) e são poucas as meninas com 22 anos que não passaram dos 46 Kg como eu.
Eu só leio o que me interessa diretamente, sem considerar a importância literária. Absorvo o que me importa, descarto o que não me acrescenta.

Eu sou tão simples na minha complexidade...

Amadureci muito cedo, tracei metas de maneira precoce e desde então não perdi o foco delas. Tenho atingido todas com rapidez e já entendi que nada é impossível para mim.
Fui uma criança muito “adulta”, a adolescência veio pra mim como um grito de liberdade e hoje eu sou uma mulher que não tem medo de brincar de ser criança, de brincar de ser feliz, de brincar de ser rebelde, mas sem perder em nenhum momento o ar fatal que quem sabe o que quer e fuzila o que atravessar o caminho.

Minha disciplina sempre foi invejável, mas meus deslizes são tantos!
Minhas postura sempre me rendeu tudo de melhor, mas quando desço do salto faço o mundo parar (ou girar mais rápido, depende do ponto de vista).

Acho que não tenho mais pouso certo, embora mantenha o pulso firme. Não vivo mais com os meus pais, não vivo com o meu tio, não vivo com meu namorado, mas vivo um pouco com cada um. Estou sempre com a mala feita e dentro do carro, nunca sei onde vou passar a próxima noite, mas se ainda tivesse meus avós talvez vivesse com eles. Acho que o único lar que tenho efetivamente de uns tempos para cá é o Cartório, esse sim é meu ambiente.

Aprendi tanta coisa desde que comecei a encarar a vida de frente.
Aprendi que ficar sozinho é mesmo tão ruim quanto parece e que o corpo responde quando a mente adoece.
Aprendi que quando adoecemos os fracos se afastam e que ás vezes nos sentimos feridos pela atitude de quem só quer nos proteger.
Aprendi também que para um desequilíbrio o melhor castigo é estender a mão e não virar as costas.
Aprendi que quem nos odeia no fundo nos inveja.
E aprendi a não odiar, a não invejar: eu sou tudo que quero, como quero e consigo o que for.
Há quem veja meus deboches como ódio, não se supervalorizem tanto! É mero escárnio.

Mas principalmente, aprendi que quem parte para o outro lado fica neste como anjo, e que quem parte só para outro lugar deste mesmo lado não deixa de ser meu anjo por estar mais longe.

Sei lá mais o que eu mudei ou no que me tornei com o passar desses 22 anos.
Só concluo que não tenho talento para o fracasso e que os outros que tenham medo de mim, porque o meu foi embora com a síndrome do pânico e não tem nada mais que me segure nessa vida.

Ramona C. Reichert

domingo, 4 de abril de 2010

Eu não sei de que lado você está,
Para que time você joga.
Eu não sei para que lado você vai,
Nem para que santo você ora.

Ramona C. Reichert
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Eu me defendo bem sozinha!
E me alegro quando penso que tenho amigos como o Geison, que vão para minha casa e invadem o meu quarto tarde da noite só para saber como eu estou.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Saí desatinado.
Não sentia conforto em lugar nenhum, já não tinha mais para onde fugir, nem lugar seguro para me esconder.
Atravessei a rua sem olhar para os lados, absorto em pensamentos que não eram meus, sobre coisas que não eram minhas...
Continuei andado com a cabeça baixa pelo peso de problemas que eu não causei, estonteado por culpas que assumi sem porquê.
Não esperava chegar em algum lugar.
Não sei como percebi ao lado de uma escada, sentada na calçada, uma menina de olhos inchados e mãos pequenas que seguravam um rosto delicado quase sem expressão.
Não senti pena, também não senti ternura. Não encontro a palavra para definir, mas senti qualquer coisa forte demais. Senti que estávamos ligados, ligados pela mesma dor, ligados porque sofríamos.
O sofrimento une os iguais.
Me aproximei e sentei ao seu lado em silêncio.
Não precisei perguntar nada, estávamos na mesma sintonia, ambos quase sem pulso.
Ouvi ela sussurrar:
- Não tem solução. Nesse mundo insano de pessoas desequilibradas ninguém conhece ninguém, ninguém tem ninguém, ninguém é alguém. Do tombo da entrega cega ao grande vácuo da indiferença eu só levo as cicatrizes, as consequências que não são minhas e o medo...
O medo que me faz ter certeza de que jamais serei a mesma. Temo a minha própria sombra, que dirá as alheias. Estou me vendo capaz de muita coisa, muito mais do que imaginaria... nem eu me conheço mais.
Não ousei responder, nem tinha moral para isso.
Eu concordava com cada palavra e entendia. Em silêncio eu entendia.
Não lembro o que aconteceu depois...
Continuo sobrepondo os dias... sem rumo certo, meio tonto, com a cabeça pesada, mas com a certeza de que não sou o único e nem por isso menos sozinho.

Ramona C. Reichert