terça-feira, 13 de abril de 2010

Feliz para sempre ao avesso

Conheci Ana na escola, quando muito pequenas e desde então ninguém sabia mais dela do que eu.
Ultimamente Ana estava estranha, embora sempre tenha sido um pouco.
Eu estranhava seus olhos não brilharem, estranhava aquele sorriso estreito.
Eu estranhava sua voz tão baixa e aquilo que lhe apertava o peito.

Ana era cheia de sonhos, tinha a cara limpa e não devia nada a ninguém.

Porém, de uns tempos para cá Ana não sabia porque levantava.
Não sabia porque saia de casa, porque dizia que amava, porque abraçava, enfim...
porque se deixava sujar pela lambança dos porcos em volta.

Ela nunca quis um amor para sofrer e nunca teve talento para o perdão.
Ela queria um amor de viver. Seu pecado era confiar no coração.

Ana via de longe alguns amores perfeitos, se perdia na espectativa de ter um também, mas isso nunca foi digno dela, e sabia, era bem feita demais para um mundo tão imperfeito.

A pobre se perdia entre suas espectativas e frustrações, entre as quedas e as projeções. Vivia aos trancos e barrancos, esbarrando no apego, rompendo com a própria verdade, engolindo a seco, batendo no peito para disfarçar qualquer dor.

Andava... andava... amava.. andava... andava... odiava... andava... gritava... andava... calava... andava... andava...
- Amor não faz sofrer, amor deve fazer florir.
Dizia, desiludida.

Ana não era mais Ana.
Ana não havia sido feita para o amor.
Ana estava no mundo para viver de literatura, de música, de dança e de fantasia. Ana nunca esteve preparada para a realidade.

Aprendeu por fim, com serena tranquilidade, que havia nascido para viver só.
Foi assim que seguiu seu destino deixando apenas pequenas lembranças por onde passava, não atava laços para não ter que desatar, não deixava marcas para não ter que apagar, não aceitava nada para não ter que devolver...
e foi assim, bem assim, que ela se manteve feliz, feliz para sempre ao avesso.

Ramona C. Reichert

3 comentários:

  1. Gostei de Ana. É uma antítese de Clarice, um avesso na luta pelo amor, mas ainda assim bela e poética.

    Gosto dessa linha melancólica que escreves.

    Ah... e tu estás mais próxima de Clarice.

    Nos falamos...

    Beijo.

    ResponderExcluir
  2. Consigo perceber uma melancolia realmente...embora estruturalmente assemelha-se a uma prosa, na leitura é verso. Gosto desse estilo. Muito bom, Ramona!

    ResponderExcluir
  3. Em suma: uma bagunça...

    heuaha

    Nunca busquei manter um estilo, seguir uma determinada estrutura. Eu simplesmente não consigo, só sei ir escrevendo como "me vem".

    ResponderExcluir