quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Reencontro Final

Ela chegou quieta, sem jeito, acendeu um cigarro, tirou o sapato, sentou do seu lado no tapete manchado de vinho e riu.
Sentia vontade de chorar, mas riu.
Depois de tantos anos ela estava la, com o mesmo olhar complacente, algumas rugas a mais e o coração quieto de apanhar.
Situação estranha.
Tinha nas mãos uma frieza mórbida.
Ali sentados e acanhados não se tocaram, se conteram, apenas falaram. 
Falaram sobre as borboletas de Caio Fernando Abreu, sobre as baratas e o instante-já de Clarice Lispector, os cabelos da morte Quintana e até sobre a doce Prudence dos Beatles.
Ambos secando copos e copos para tentar não sentir o que sentiam.
De repente ele olha pra ela e pergunta: - o que tu fará neste mesmo dia do mês que vem?
Dessa vez ela não riu, não ficou sem jeito. Sentiu vertigem, o mundo girou cem vezes mais rápido e as lágrimas fugiram de seus olhos como o tempo que ela sabia que tinha perdido fugira de suas mãos. Os dois sabiam do que falavam.
Em questão de segundos um milhão de imagens tinham passado diante dela...
a de um livro, uma dedicatória, dois olhos claros e curiosos, uma cama, uma escrivaninha, uma máquina de escrever, de dois corpos encaixados no escuro, na luz, no chuveiro, no carro, no parque, a imagem de uma rua, de um blog, de um pé cortado, de sangue na parede do lado da escada, de um beijo, dois beijos, de um hematoma, de um bicho de pelúcia, um telefone, um teste de revista, de gravidez, a imagem de uma família, de um email, de cartas, cartas, cartas, muitas cartas, do projeto de uma casa, de uma garrafa.
Ela ouviu gritos e sussurros. Acordes doces e guitarras amargas.
Sentiu denovo toda insanidade que só tem o que é intenso. Intenso para o bem para o mal. Louco para o bem e para o mal. Mas e o coração? O coração aguenta?
O coração aguenta?
O coração aguenta?
O coração aguenta?
Louca, tonta... caindo
O coração aguenta?
O coração aguenta?
O coração aguenta?


- Querida, acorda! Acorda! Por favor acorda!











Ele acendeu só duas velas. Uma por ela e outra pela parte dele que ela levava.
Velou tudo aquilo, enterrou e esqueceu.
Finalmente, esqueceu.



Ramona C. Reichert

2 comentários:

  1. Ele nasceu para isso. Mas as vezes a gente poderia manerar no tamanho da dor.

    Melhor não sofrer antes do mês que vem.

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  2. Muito bom, Ramona...mais uma vez. Seus textos tem uma maturidade muito palpável e sua linguagem bem típica traz um fator de intimidade bem interessante com o leitor. Muito bom!!!

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