terça-feira, 16 de março de 2010

Clarice, por Clarice


Clarice era mulher arredia, mas acordava todas as manhãs com a bandeja de café na cama e a certeza de que era amada.
Ainda que tivesse partido uma vez, era mulher reta, mulher que respeita, mulher que jamais trairia a confiança de alguém.
Clarice amava demais, a moda dela, meio avessa, mas muito zelosa.
Clarice queria mudar o mundo, e começava pela vida de quem queria bem.
Clarice sempre foi grata e esperava a mesma gratidão de quem lhe tinha o melhor.
Porém um dia, Clarice se decepcionou e chorou.


Quando Clarice segurava uma mão, segurava forte e não soltava.
Clarice não esperava ter a mão decepada. Era sincera.
Além disso Clarice assumia toda e qualquer atitude que tivesse, como quando foi embora deixando o bilhete e ligando um ano depois.
Clarice nunca fui hipócrita.


Clarice nunca devia ter voltado.
Mas aprendeu muito.
Aprendeu que lindas palavras não provam amor.
As palavras sempre podem ser manipuladas, as palavras nem sempre são sinceras.
Aprendeu que um rosto angelical pode esconder uma monstruosidade de inverdades e a mais absoluta falta de caráter, que dois olhos claros e doces podem tapar um penhasco de más intenções.
Aprendeu que muitas vezes os braços que estão abertos à sua espera só estão ali pra te sufocar antes de te dar o empurrão final e fatal.
Clarice aprendeu mais,
Aprendeu que quando alguém a acusava injustamente por algo, era porque tinha em si a culpa de ter feito ou sentindo o que acusava e era covarde demais para assumir.
Clarice um dia viu, entendeu, se convenceu.


Clarice foi ingênua, sua carência a fez viver uma mentira cor de rosa.
Clarice queria um apartamento com almofadas coloridas e um grande amor.
Queria preparar um jantar simples, e manter tudo em ordem por uma afável vida a dois.
Implodiram o prédio em que Clarice compraria seu apartamento com todos os sonhos dela dentro.


Mas Clarice é mulher madura,
Achava que já havia passado pelo pior em sua vida, mas compreendeu que o que ela achava ser pior estava muito mais envolto em hombridade do que o que esfregaram em sua face pequena, agora com olheiras fundas, em uma noite que devia ter sido feliz.
Eis sua derrocada.

Clarice agora é mulher traída
E acorda todas as manhãs com a sensação fria do fio da faca rompendo em suas costas.

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