quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
- Vic, o que tu quer ser quando crescer?
Ele, erguendo os dois bracinhos como quem quer sair voando responde sorrindo:
- Eu vou ser um Suuuuuuuper Herói, Momóna!!!
A verdade, meu anjo, é que tu já é um super herói!
O único Super Herói no meio de tanta humanidade impotente.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
PONTO DE FUGA - CFA
O cascalho -farelos de pedra espalhados sobre a areia. O caminho de cascalho, nascido na areia, do começo da praia, passando entre o muro de pedras brancas e a estrutura incompleta do edifício, erguendo a nudez dos tijolos para o céu, misturando-se à grama, derramado sobre os valos e as lajes carcomidas das calçadas. O caminho de cascalho até o fim da rua plana, no ponto onde já não haveria mais rua, não haveria mais céu. Um vago encontro, onde mesmo o mar teria se dissolvido.
O mar e o céu.
O ponto.
E tu.
A rua e o céu.
O ponto.
Suspenso entre dois encontros, tu caminharias desencontrado. Como se fosse para sempre, pesado, os ombros curvos, esmagados pela solidão. Mas de repente haveria uma praça. Exatamente assim, como no poema, só que uma praça, no meio do caminho. Inesperada. Suspenderias os passos sem compreender, em desejar compreender -tomado unicamente de espanto, nenhum outro sentimento secundário: o espanto exato de ter encontrado uma praça. Passado o instante da posse -a coisa achada tomando conta de ti por inteiro, tu feito na coisa, tu: a própria coisa -, teu olhar se estenderia manso, procurando pontos de referência, traços em comum com outras praças encontradas em outras situações. Bancos, árvores, canteiros, talvez estátuas, quem sabe um lago-praça.
Não haveria nenhum lago nessa praça. Somente uma estátua, num dos cantos. Um homem na atitude de jogar um dardo, duas asas nos pés, corpo branco e nu, rosto de feições devastadas pela erosão. As árvores seriam baixas e poucas, as folhas de um verde sujo, arenoso. Caminhando, tu segurarias com raiva um galho -sem compreenderes a própria raiva e sem compreenderes a projeção dela no galho a poeira fina e densa ficaria flutuando no ar até que a ultrapassasses para tocar num banco com a mão. O banco seria de mármore, mármore amarelado pelo tempo, carcomido pelos inúmeros ventos. O banco não guardaria sequer nomes de namorados gravados num outro tempo, nem um palavrão, nem um desenho- só a carne lisa, como se tivesse retomado a um anterior estado de pureza depois de muitas marcas.
Mas essa pureza seria só aparência. Novamente deterias os passos para investigar o exterior limpo. Purificado? Não. A vida inteira vivida pelo banco teria permanecido em alguma escondida dimensão de seu ser, E a vida poluía. Carne gasta, já inatingível por qualquer palavra de ódio ou de amor, qualquer revolta ou qualquer alegria -o banco imundo.
Sentada no chão, encontrarias a moça vestida de azul. Pela terceira vez, tu serias invadido pela imagem. Desta vez, a moça. Tu: vindo de um caminho conhecido, em passadas às vezes lentas, leves, outras pesadas de espantos, quedas, quebras, tu: vindo por um caminho determinado, um caminho definido em pedaços de pedras, sobre as quais tu pisavas. Era o teu caminho: um caminho de pedras desfeitas desde a praia até a moça. A moça.
E a moça? De que lugar teria vindo? Que caminhos teria pisado? Que insuspeita das descobertas teria feito? Tu olharias a moça mas, as perguntas não acorrendo, o mistério que a envolveria seria desfeito -uma moça vestida de azul, sentada no chão de uma praça sem lago. Não poderias saber nada de mais absoluto sobre ela, a não ser ela própria. Fazendo perguntas, tu ouvirias respostas. Nas respostas ela poderia mentir, dissimular, e a realidade que estava sendo, a realidade que agora era, seria quebrada, pois, não fazendo perguntas, tu aceitarias a moça completamente. Desconhecida, ela seria mais completa que todo um inventário sobre o seu passado. Descobririas que as coisas e as pessoas só o são em totalidade quando não existem perguntas, ou quando essas perguntas não são feitas. Que a maneirar mais absoluta de aceitar alguém ou alguma coisa seria justamente não falar, não perguntar -mas ver! Em silêncio.
Tu verias a moça.
Suspensa a voz num primeiro momento, tu voltarias atrás, desejando ser visto. Mas para teres a certeza de ser visto, terias que ter a certeza de que eras ouvido. A moça não falaria. Nem se movimentaria. Teria, já, descoberto o silêncio como forma mais ampla de comunicação? Estenderias a mão e a tocarias no seio, e a moça ainda não se movia. Afastarias o vestido, as tuas mãos desceriam pelos seios, pelo ventre, as tuas mãos atingiriam o sexo com dedos ávidos, o teu corpo iria se curvando numa antecipação de posse, o corpo da moça começaria aceder, a pressão de teu corpo sobre o dela se faria mais forte: a moça deitaria de costas na areia, tão leve como se aquilo não fosse um movimento. Tu farias atua afirmação de homem sobre a entrega dela. Mas os movimentos seriam só teus, vendo um céu talvez escuro, talvez iluminado, uma extensão de praça parecendo imensa vista em perspectiva. E uma estátua carcomida. Assim: teu membro explodiria dentro dela enquanto olharias fixo e firme para um rosto de pedra branca despido de feições.
Depois sairias caminhando devagar, vencendo a praça, voltando ao caminho de cascalho. Mas desta vez pisarias muito suave. Seria leve o toque de teus pés, seria verde o teu olhar no gesto de virar a cabeça para ver o mar, seriam mansos os teus movimentos em direção ao ponto de fuga onde mergulharia a rua. Na esquina olharias pela segunda vez para trás e veria um caminho, uma praça e o mar. Um caminho, uma praça e o mar. E no meio da praça, uma moça. Bancos de mármore, árvores sujas, canteiros vazios, nenhum lago, uma estátua devastada e, muito recuada, uma moça. Sem movimentos, uma moça. Sem salvação, uma moça. Sem compreender, uma moça.Uma moça e uma tarde. Quase noite.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Compreendes?
Amanhecera...
O céu esbanjava cor
O dia se revestia de um ar leve, um calor suave e
um vento breve, só para lembrar-lhe que estava viva.
Não sei ao certo o que de fato ocorreu,
Nem em qual parte do dia o vigor pereceu.
Aos poucos as nuvens foram escurecendo
E os relâmpagos contrariaram a escuridão.
Viu a chuva saciar a sede do calor,
E o vento arrebatar a paisagem.
Ouviu os raios arrebentarem o silêncio, mas
Era nos olhos dela que estourava o temporal.
Naqueles olhos verdes de primavera
Olhos beleza sem igual.
Na confusão de sua cabeça era dia, palavra, sanidade, insanidade, ontem, tempo, o nome, amanhã, pavor, surdez, música, pinheiro, sonho, ar rarefeito, o sonho, música música música, aquela letra, qual era mesmo o nome, vertigem, invenção, sonho, tontura, suor, tortura, eu sei, sonhei, não, por que, sai, saia, cama, corrente, nó, peso, passado ....
Está passando...
Vai passar...
passou...
passou...
já passou...
O pânico escapava de seus olhos.
Seus olhos frios de inverno, seu medo quente de inferno...
Um medo infernal.
A crise já vai indo embora com as nuvens,
A cor pro seu céu retorna.
E o vento bate leve em sua pele clara só para lhe lembrar que está viva.
Passou...
apesar de tudo
está viva.
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Uma História de Borboletas - Caio Fernando Abreu
André enlouqueceu ontem à tarde. Devo dizer que também acho um pouco arrogante de minha parte dizer isso assim ― enlouqueceu ―, como se estivesse perfeitamente seguro não só da minha própria sanidade mas também da minha capacidade de julgar a sanidade alheia. Como dizer, então? Talvez: André começou a comportar-se de maneira estranha, por exemplo? ou: André estava um tanto desorganizado, ou ainda: André parecia muito necessitado de repouso. Seja como for, depois de algum tempo, e aos poucos, tão lentamente que apenas ontem à tarde resolvi tomar essa providência, André ― desculpem a minha audácia ou arrogância ou empáfia ou como queiram chamá-la, enfim: André enlouqueceu completamente. Pensei em levá-lo para uma clínica, lembrava vagamente de ter visto no cinema ou na televisão um lugar cheio de verde e pessoas muito calmas, distantes e um pouco pálidas, com o olhar fora do mundo, lendo ou recortando figurinhas, cercadas por enfermeiras simpáticas, prestativas. Achei que André seria feliz lá. E devo dizer ainda que gostaria de vê-lo feliz, apesar de tudo o que me fez sofrer nos últimos tempos. Mas bastou uma olhada no talão de cheques para concluir que não seria possível.
Então optei pelo hospício. Sei, parece um pouco duro dizer isso assim, desta maneira tão seca: “então-optei-pelo-hospício”. As palavras são muito traiçoeiras. Para dizer a verdade, não optei propriamente Apenas: 1º) eu tinha pouquíssimo dinheiro e André menos ainda, isto é, nada, pois deixara de trabalhar desde que as borboletas começaram a nascer entre seus cabelos; 2º) uma clínica custa dinheiro e um hospício é de graça. Além disso, esses lugares como aquele que vi no cinema ou na televisão ficam muito retirados ― na Suíça, acho ―, e eu não poderia visitá-lo com tanta freqüência como gostaria. O hospício fica aqui perto. Então, depois desses esclarecimentos, repito: optei pelo hospício.
André não opôs resistência nenhuma. Às vezes chego a pensar que ele sempre soube que, de uma forma ou outra, fatalmente acabaria assim. Portanto, coloquei-o num táxi, depois desembarcamos, atravessamos o pátio e, na portaria, o médico de plantão nem sequer fez muitas perguntas. Apenas nome, endereço, idade, se já tinha estado lá antes, essas coisas ― ele não dizia nada e eu precisei ir respondendo, como se o louco fosse eu e não ele. Ah: nem por um minuto o médico duvidou da minha palavra. Pensei até que, se André não estivesse realmente louco e eu dissesse que sim, bastaria isso para que ficasse por lá durante muito tempo. Mas a cara dele não enganava ninguém ― sem se mover, sem dizer nada, aqueles olhos parados, o cabelo todo em desordem.
Quando dois enfermeiros iam levá-lo para dentro eu quis dizer mais alguma coisa, mas não consegui. Ele ficou ali na minha frente, me olhando. Não me olhando propriamente, havia muito tempo não olhava mais para nada ― seus olhos pareciam voltados para dentro, ou então era como se transpassassem as pessoas ou os objetos para ver, lá no fundo deles, uma coisa que nem eles próprios sabiam de si mesmos. Eu me sentia mal com esse olhar, porque era um olhar muito… muito sábio, para ser franco. Completamente insano, mas extremamente sábio. E não é nada agradável ter em cima de você, o tempo todo, na sua própria casa, um olhar desses, assim trans-in-lúcido. Mas de repente seus olhos pareceram piscar, mas não devem ter piscado ― devo esclarecer que, para mim, piscar é uma espécie de vírgula que os olhos fazem quando querem mudar de assunto. Sem piscar, então, os olhos dele piscaram por um momento e voltaram daquele mundo para onde André se havia mudado sem deixar endereço. E me olharam os olhos dele. Não para uma coisa minha que nem eu mesmo via, nem através de mim, mas para mim mesmo fisicamente, quero dizer: para este par de órgãos gelatinosos situados entre a testa e o nariz ― meus olhos, para ser mais objetivo.
André olhou bem nos meus olhos, como havia muito não fazia, e fiquei surpreso e tive vontade de dizer ao médico de plantão que era tudo um engano, que André estava muito bem, pois se até me olhava nos olhos como se me visse, pois se recuperara aquela expressão atenta e quase amiga do André que eu conhecia e que morava comigo, como se me compreendesse e tivesse qualquer coisa assim como uma vontade de que tudo desse certo para mim, sem nenhuma mágoa de que eu o tivesse levado para lá. Como se me perdoasse, porque a culpa não era minha, que estava lúcido, nem tampouco dele, que enlouquecera. Quis levá-lo de volta comigo para casa, despi-lo e lambê-lo como fazia antigamente, mas havia aquele monte de papéis assinados e cheios de x nos quadradinhos onde estava escrito solteiro, masculino, branco, coisas assim, os enfermeiros esperando ali do lado, já meio impacientes ― tudo isso me passou pela cabeça enquanto o olhar de André pousava sobre mim e sua voz dizia:
― Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais.
Então vim embora. Os enfermeiros seguraram seus braços e o levaram para dentro. Havia alguns outros loucos espiando pela janela. Eram feios, sujos, alguns desdentados, as roupas listradinhas, encardidas, fedendo ― e eu tive medo de um dia voltar para encontrar André assim como eles: feio, sujo, desdentado, a roupa listradinha, encardida e fedendo. Pensei que o médico ia colocar a mão no meu ombro para depois dizer coragem, meu velho, como tenho visto no cinema. Mas ele não fez nada disso. Baixou a cabeça sobre o monte de papéis como se eu já não estivesse ali, dei meia-volta sem dizer nada do que eu queria dizer ― que cuidassem bem dele, que não o deixassem subir no telhado, recortar figurinhas de papel o dia inteiro ou retirar borboletas do meio dos cabelos como costumava fazer. Atravessei devagar o pátio cheio de loucos tristes, hesitei no portão de ferro, depois resolvi voltar a pé para casa.
Era de tardezinha, estava horrível na rua, com todos aqueles automóveis, aquelas pessoas desvairadas, as calçadas cheias de merda e lixo, eu me sentia mal e muito culpado. Quis conversar com alguém, mas me afastara tanto de todos depois que André enlouquecera, e aquele olhar dele estava me rasgando por dentro, eu tinha a impressão de que o meu próprio olhar tinha se tornado como o dele, e de repente já não era apenas uma impressão. Quando percebi, estava olhando para as pessoas como se soubesse alguma coisa delas que nem elas mesmas sabiam. Ou então como se as transpassasse. Eram bichos brancos e sujos. Quando as transpassava, via o que tinha sido antes delas ― e o que tinha sido antes delas era uma coisa sem cor nem forma, eu podia deixar meus olhos descansarem lá porque eles não precisavam preocupar-se em dar nome ou cor ou jeito a nenhuma coisa ― era um branco liso e calmo. Mas esse branco liso e calmo me assustava e, quando tentava voltar atrás, começava a ver nas pessoas o que elas não sabiam de si mesmas, e isso era ainda mais terrível. O que elas não sabiam de si era tão assustador que me sentia como se tivesse violado uma sepultura fechada havia vários séculos. A maldição cairia sobre mim: ninguém me perdoaria jamais se soubesse que eu ousara.
Mas alguma coisa em mim era mais forte que eu, e não conseguia evitar de ver e sentir atrás e além dos sujos bichos brancos, então soube que todos eles na rua e na cidade e no país e no mundo inteiro sabiam que eu estava vendo exatamente daquela maneira, e de repente também já não era mais possível fingir nem fugir nem pedir perdão ou tentar voltar ao olhar anterior ― e tive certeza de que eles queriam vingança, e no momento em que tive certeza disso, comecei a caminhar mais depressa para escapar, e Deus, Deus estava do meu lado: na esquina havia um ponto de táxi, subi num, mandei tocar em frente, me joguei contra o banco, fechei os olhos, respirei fundo, enxuguei na camisa as palmas visguentas das mãos. Depois abri os olhos para observar o motorista (prudentemente, é claro). Ele me vigiava pelo espelho retrovisor. Quando percebeu que eu percebia, desviou os olhos e ligou o rádio. No rádio, uma voz disse assim:
Senhoras e senhores, são seis horas da tarde. Apertem os cintos de segurança e preparem suas mentes para a decolagem. Partiremos em breve para uma longa viagem sem volta. Atenção, vamos começar a contagem regressiva: dez-nove-oito-sete-seis-cinco… Antes que dissesse quatro, soube que o motorista era um deles. Mandei-o parar, paguei e desci. Não sei como, mas estava justamente em frente à minha casa. Entrei, acendi a luz da sala, sentei no sofá.
A casa quieta sem André. Mesmo com ele ali dentro, nos últimos tempos a casa era sempre quieta: permanecia em seu quarto, recortando figurinhas de papel ou encostado na parede, os olhos olhando daquele jeito, ou então em frente ao espelho, procurando as borboletas que nasciam entre seus cabelos. Primeiro remexia neles, afastava as mechas, depois localizava a borboleta, exatamente como um piolho. Num gesto delicado, apanhava-a pelas asas, entre o polegar e o indicador, e jogava-a pela janela. Essa era das azuis- costumava dizer, ou essa era das amarelas ou qualquer outra cor. Em seguida saía para o telhado e ficava repetindo uma porção de coisas que eu não entendia. De vez em quando aparecia uma borboleta negra. Então tinha violentas crises, assustava-se, chorava, quebrava coisas, acusava-me. Foi na última borboleta negra que resolvi levá-lo para o tal lugar verde e, mais tarde, para o hospício mesmo. Ele quebrou todos os móveis do quarto, depois tentou morder-me, dizendo que a culpa era minha, que era eu quem colocava as borboletas negras entre seus cabelos, enquanto dormia. Não era verdade. Enquanto dormia, eu às vezes me aproximava para observá-lo. Gostava de vê-lo assim, esquecido, os pêlos claros do peito subindo e descendo sobre o coração. Era quase como o André que eu conhecera antes, aquele que mordia meu pescoço com fúria nas noites suadas de antigamente. Uma vez cheguei a passar os dedos nos seus cabelos. Ele despertou bruscamente e me olhou horrorizado, segurou meu pulso com força e disse que agora eu não poderia mais fingir que não era eu, que tinha me surpreendido no momento exato da traição. Era assim, havia muito tempo, eu estava fatigado e não compreendia mais.
Mas agora a casa estava sem André. Fui até o banheiro atulhado de roupas sujas, a torneira pingando, a cozinha com a pia transbordando pratos e panelas de muitas semanas, a janela de cortinas empoeiradas e o cheiro adocicado do lixo pelos cantos, depois resolvi tomar coragem e ir até o quarto dele. André não estava lá, claro. Apenas as revistas espalhadas pelo chão, a tesoura, as figurinhas entre os cacos dos móveis quebrados. Apanhei a tesoura e comecei a recortar algumas figurinhas. Inventava histórias enquanto recortava, dava-lhes profissões, passados, presentes, futuros era mais difícil, mas dava-lhes também dores e alguns sonhos. Foi então que senti qualquer coisa como uma comichão entre os cabelos, como se algo brotasse de dentro do meu cérebro e furasse as paredes do crânio para misturar-se com os cabelos. Aproximei-me do espelho, procurei. Era uma borboleta. Das azuis, verifiquei com alegria. Segurei-a entre o polegar e o indicador e soltei-a pela janela. Esvoaçou por alguns segundos, numa hesitação perfeitamente natural, já que nunca antes em sua vida estivera sobre um telhado. Quando percebi isso, subi na janela e alcancei as telhas para aconselhá-la:
― É assim mesmo ― eu disse. ― O mundo fora de minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens, e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles não te detenhas demasiado, pois correrás o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-lo: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois pousando correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deveras te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar para dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos ― trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas.
Pareceu tranqüilizada com meus conselhos, tomou impulso e partiu em direção ao crepúsculo. Quando me preparava para dar volta e entrar novamente no quarto, percebi que os vizinhos me observavam. Não dei importância a isso, voltei às figurinhas. E novamente começou a acontecer a mesma coisa: algo como um borbulhar, o espelho, a borboleta (essa era das roxas), depois a janela, o telhado, os conselhos. E os vizinhos e as figurinhas outra vez. Assim durante muito tempo.
Já não era mais de tardezinha quando apareceu a primeira borboleta negra. No mesmo momento em que meu indicador e polegar tocaram suas asinhas viscosas, meu estômago contraiu-se violentamente, gritei e quebrei o objeto mais próximo. Não sei exatamente o quê, sei apenas do ruído de cacos que fez, o que me deixa supor que se tratasse de um vaso de louça ou algo assim (creio que foi nesse momento que lembrei daquele som das noites de antes: as franjas do xale na parede caindo sobre as cordas do violão de André quando rolávamos da cama para o chão). Pretendia quebrar mais coisas, gritar ainda mais alto, chorar também, se conseguisse, porque tinha nojo e nunca mais ― quando ouvi um rumor de passos no corredor e diversas pessoas invadiram o quarto. Acho que meu primeiro olhar para elas foi aquele que tive antigamente, cheguei a reconhecer alguns dos vizinhos que nos observavam sempre, o homem do bar da esquina, o jardineiro da casa em frente, o moto¬rista do táxi, o síndico do edifício ao lado, a puta do chalé branco. Mas em seguida tudo se alargou e não consegui evitar de vê-las daqueles outros jeitos, embora não quisesse, e meu jeito de evitar isso era fechar os olhos, mas quando fechava os olhos ficava olhando para dentro de meu próprio cérebro ― e só encontrava nele uma infinidade de borboletas negras agitando nervosamente as asinhas pegajosas, atropelando-se para brotar logo entre os cabelos. Lutei por algum tempo. Tinha alguma esperança, embora fossem muitas mãos a segurar-me.
Ao amanhecer do dia de hoje fui dominado. Chamaram um táxi e trouxeram-me para cá. Antes de entrar no táxi tentei sugerir, quem sabe aquele lugar de muito verde, pessoas amáveis e prestativas, todas distantes, um tanto pálidas, alguns lendo livros, outros cortando figurinhas. Mas eu sabia que eles não admitiriam: quem havia visto o que eu vira não merecia perdão. Além disso, eu tinha desaprendido completamente a sua linguagem, a linguagem que também tive antes, e, embora com algum esforço conseguisse talvez recuperá-la, não valia a pena, era tão mentirosa, tão cheia de equívocos, cada palavra querendo dizer várias coisas em várias outras dimensões. Eu agora já não conseguia permanecer apenas numa dimensão, como eles, cada palavra se alargava e invadia tantos e tantos reinos que, para não me perder, preferia ficar calado, atento apenas ao borbulhar de borboletas dentro do meu cérebro. Quando foram embora, depois de preencherem uma porção de papéis, olhei para um deles daquele mesmo jeito que André me olhara. E disse-lhe:
― Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais.
Ele pareceu entender. Vi como se perturbava e tentava dizer, sem conseguir, alguma coisa para o médico de plantão, observei que baixava os olhos sobre o monte de papéis e a maneira indecisa como atravessava o pátio para depois deter-se em frente ao portão de ferro, olhando para os lados, e então se foi, a pé. Em seguida os homens trouxeram-me para dentro e enfiaram uma agulha no meu braço. Tentei reagir, mas eram muito fortes. Um deles ficou de joelhos no meu peito enquanto o outro enfiava a agulha na veia. Afundei num fundo poço acolchoado de branco.
Quando acordei, André me olhava dum jeito totalmente novo. Quase como o jeito antigo, mas muito mais intenso e calmo. Como se agora partilhássemos o mesmo reino. André sorriu. Depois estendeu a mão direita em direção aos meus cabelos, uniu o polegar ao indicador e, gentilmente, apanhou uma borboleta. Era das verdes. Depois baixou a cabeça, eu estendi os dedos para seus cabelos apanhei outra borboleta. Era das amarelas. Como não havia telhados próximos, esvoaçavam pelo pátio enquanto falávamos juntos aquelas mesmas coisas ― eu para as borboletas dele, ele para as minhas. Ficamos assim por muito tempo até que, sem querer, apanhei uma das negras e começamos a brigar. Mordi-o muitas vezes, tirando sangue da carne, enquanto ele cravava as unhas no meu rosto. Então vieram os homens, quatro desta vez. Dois deles puseram os joelhos sobre os nossos peitos, enquanto os outros dois enfiavam agulhas em nossas veias. Antes de cairmos outra vez no poço acolchoado de branco, ainda conseguimos sorrir um para o outro, estender os dedos para nossos cabelos e, com os indicadores e polegares unidos, ao mesmo tempo, com muito cuidado, apanhar cada um uma borboleta. Essa era tão vermelha que parecia sangrar.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Trecho - O Pequeno Príncipe
- Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!
E um pouco mais tarde acrescentaste:
- Quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol...
- Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três?
Mas o principezinho não respondeu.
Às vezes parece que o planeta Terra poderia ser como o do pequeno... onde se pudesse ver o pôr do Sol quarenta e três vezes se preciso...
Quem nunca leu até diz que é livro de criança, de candidata a Miss e afins... mas eu que li afirmo: é perfeito. É simples, enquanto é de uma profundidade marcante. Eu também nunca aprendi a desenhar carneiros, mas aprendi como é quando uma gibóia engole um elefante, aprendi a detestar aquela rosa egoísta e a admirar aquele serzinho miúdo. Queria o pequeno príncipe pra mim.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Vai passar - Caio Fernando Abreu
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de “uma ausência”. E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.
Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.
Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- … mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca...
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Ele ainda quer um gatinho...
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Por tudo que for - Lobão
E depois,
A luz se apagou
E eu não consigo mais ficar sozinho aqui
Sem você é tão ruim, não tem sentido, prazer
Não há nada
Por favor,
Não me interpreta mal
Eu não queria nem devia te magoar
O vento vem, o tempo vai
Passa por mim meio assim, meio assim devagar
O que a solidão pode fazer
A um ser ferido, por saber que o erro era meu (só meu)
Já passou,
Agora já passou
Mas foi tão triste que eu não quero nem lembrar
Ver você, ter você
E querer mais de nós dois não tem nada demais
E pensar
Você aparecer
Pela janela tão bonita de manhã
Vem pra mim e não vai mais
Me abraça, me abraça, me abraça
Por tudo que for...
terça-feira, 27 de outubro de 2009
Fragmentos disso que chamamos de "minha vida". - Caio Fernando Abreu
Há alguns anos. Deus — ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus —, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer — eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal — não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos.
Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. Nada de mal me aconteceria, tinha certeza, enquanto estivesse dentro do campo magnético daquela outra pessoa. Os olhos da outra pessoa me olhavam e me reconheciam como outra pessoa, e suavemente faziam perguntas, investigavam terrenos: ah você não come açúcar, ah você não bebe uísque, ah você é do signo de Libra. Traçando esboços, os dois. Tateando traços difusos, vagas promessas.
Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos.
Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria.
Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
- Pois bem, vamos ao meu problema:
Há muito tempo não sinto dor, há anos não sinto dor.
Falo de dor no peito, dor que pega, esmaga, aperta, assola. Falo de dor de amor, de dor de horror, de paixão, de renegação, de abandono, de desencontro. Falo de dor sentimental, emocional, besteiral.
Não adoeço mais do coração, não perco a fome por emoção, não emagreço de paixão, não engordo de tensão.
Me calo quando qualquer um berraria de dor, rio quando qualquer um choraria de pavor, fico inerte qualquer um sorriria de amor. E não entendo por que....
Reviro as gavetas velhas e empoeiradas em busca de algo que me oriente, volto aos cantos escuros da minha memória e do meu passado tentando ver explicação, não encontro razão em nenhum livro, nenhum artigo, com nenhum médico, cartomante, benzedeira, curandeira ou macumbeira.
Há quem ache que seja psicológico, uma daquelas coisas que chamam de psicopatologia, para esses eu conto o mistério que sou para os psiquiatras, sim, para os psiquiatras, porque os pobres psicólogos já desistiram de mim. Visito e revisito consultórios, chego a deixar a marca da minha bunda nos divãs, tamanho tempo que passo sentada neles e ninguém, nada explica ou resolve minha inércia emocional.
A bem da verdade acho que meu coração desenvolveu algo que nenhum cientista suspeitaria... anticorpos cardíacos. Sim! Meu coração é o único que desenvolveu anticorpos, entre tantos outros corpos nesse mundo. Minha autodefesa “imunocardíacaemocional” combate qualquer princípio de “microorganismosentimento” que possa alterar o ritmo de seus batimentos afetando assim a minha indiferença geral, qualquer “microorganismoemoção” que possa me desidratar uma lágrima que seja.
Não querido, não se engane! Eu não preciso de transplante! Vocês todos é que precisam.
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Está longe de ter a qualidade do texto dele, mas posto aqui pra mostrar a abismal diferença entre as maneiras particulares de escrever e de ver a mesma história.
Esse mesmo tempo que agride a tua pele
Carrega pra longe as tuas façanhas.
Esse dia que pro teu lamento é um a mais,
Pra ti mesmo é só mais um a menos.
Se a tua vontade é essa, vá...
O que você tem a perder é o que você diz que tem de mais mesquinho.
Não fale de medo, coragem, inveja, curiosidade.
Dê permissão à sua vontade
Agora que você descobriu pra onde vai,
Suba!
Dance como ele no parapeito do prédio
Dance a liberdade que você deseja e não se permite
Dance a raiva que você sente e reprimi.
Dance!
Dance a alegria de um quase suicídio!
Dance o medo de uma quase salvação!
Dance o que você odeia
Dance no limiar do prédio e da queda.
Dance o tempo que durar a firmeza do que pisa
Dance o tempo que durar a leveza da queda livre...
E se a sua sensação de liberdade se eternizar, não se preocupe
Eu trato o seu gato!
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
ANTES DE AMAR-TE
domingo, 13 de setembro de 2009
"QUINTANARES"
Eis os "Quintanares":
EU ESCREVI UM POEMA TRIST E (A cor do invisível)
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
POEMA (Caderno H)
Mas por que datar um poema?
Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...
O TRÁGICO DILEMA ( Caderno H)
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.
XVII (A RUA DOS CATAVENTOS )
Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
DO ESTILO (Caderno H)
O estilo é uma dificuldade de expressão.
DA OBSERVAÇÃO (Espelo Mágico)
Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...
DESTINO ATROZ (Caderno H)
Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando ele os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.
INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO (A cor do invisível)
Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...E a luz da estrela no fim!
PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janelae respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.
DA INQUIETA ESPERANÇA
Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele
Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.
Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele
Na inquietação feliz do Purgatório.
TROVA
Coração que bate-bate...Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.
ESPERANÇA
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
O AUTO-RETRATO (Apontamentos de História Sobrenatural)
No retrato que me faço- traço a traço -às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisasde que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...Corrigido por um louco!
AH! OS RELÓGIOS (A cor do Invisível)
Amigos, não consultem os relógiosquando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -acaso lhes indaga que horas são...
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
PARA UMA AVENCA PARTINDO
domingo, 6 de setembro de 2009
OS ESPELHOS (Clarice Lispector - Para não esquecer)
Não existe a palavra espelho - só espelhos, pois um único é uma infinidade de espelhos. - Em algum lugar do mundo deve haver uma mina de espelhos?
Não são preciso muitos para se ter a mina faiscante e sonambúlica: bastam dois, e um reflete o reflexo do que o outro refletiu, num tremor que se transmite em mensagem intensa e insistente “ad infinitum”, liquidez em que se pode mergulhar a mão fascinada e retirá-la escorrendo de reflexos, reflexos dessa dura água.
- O que é um espelho? Como a bola de cristal dos videntes, ele me arrasta para o vazio que no vidente é o seu campo de meditação, e em mim o campo de silêncios e silêncios. - Esse vazio cristalizado que tem dentro de si espaço para se ir para sempre sem parar: pois espelho é o espaço mais profundo que existe.- E é coisa mágica: quem tem um pedaço quebrado já poderia ir com ele meditar no deserto. De onde também voltaria vazio, iluminado e translúcido, e com o mesmo silêncio vibrante de um espelho.- A sua forma não importa: nenhuma forma consegue circunscrevê-lo e alterá-lo, não existe espelho quadrangular ou circular: um pedaço mínimo é sempre o espelho todo: tira-se a sua moldura e ele cresce assim como água se derrama.
- O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho conseguindo ao mesmo tempo isenção de si mesmo, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade é ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem - então percebeu o seu mistério. Para isso há-de se surpreendê-lo sozinho, quando pendurado num quarto vazio, sem esquecer que a mais tênue agulha diante dele poderia transformá-lo em simples imagem de uma agulha.
Devo ter precisado de minha própria delicadeza para não atravessá-lo com a própria imagem, pois espelho que eu me vejo sou eu, mas espelho vazio é que é espelho vivo. Só uma pessoa muito delicada pode entrar num quarto vazio onde há um espelho vazio, e com tal leveza, com tal ausência de si mesma, que a imagem não marca. Como prêmio, essa pessoa delicada terá então penetrado num dos segredos invioláveis das coisas: Vi o espelho propriamente dito.E descobri os enormes espaços gelados que ele tem em si, apenas interrompidos por um ou outro alto bloco de gelo.
Em outro instante, este muito raro - e é preciso ficar de espreita dias e noites, em jejum de si mesmo, para poder captar esse instante - nesse instante consegui surpreender a sucessão de escuridões que há dentro dele. Depois, apenas com preto e branco, recapturei sua luminosidade arco-irisada e trêmula. Com o mesmo preto e branco recapturei também, num arrepio de frio, uma de suas verdades mais difíceis: o seu gélido silêncio sem cor. É preciso entender a violenta ausência de cor de um espelho para poder recriá-lo, assim como se recriasse a violenta ausência de gosto da água.
Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
domingo, 9 de agosto de 2009
Nada sobre amor.
Você não sabe nada dessa dor
Nada desse amor.
Você, que fecha as janelas, as portas e frestas
Fecha os olhos, a boca e as pernas.
Você, que jamais leu um romance
Jamais se dá chance.
Você, que jamais se permitiu
Jamais o viu.
Você não sabe nada do que fala.
Fala do que imagina.
Você espera.
Espera estática: espera inútil.
Você não vê nada do que vê
Só vê o que quer.
Não vê o que é,
Não sabe o que é,
Só sabe que acha.
Você não acha nada.
Não procura.
Você não encontra nada
Não canta e nem encanta.
Repito:
Você não sabe nada sobre dor,
Nada sobre amor.
Você não sabe nada dessa dor
Nada desse amor.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Sim, eu gosto da tempestade que as segue, mas do calor eu não gosto,
a bem da verdade nem das manhãs eu gosto. Se pudesse converteria todas as manhãs em noites cheias e tardes ociosas ao teu lado.
Parece que meu corpo também não gosta das manhãs quentes, ele pesa mais, ele sente o peso de todo tédio de mais uma manhã e ainda por cima quente.
Pare com isso! Eu não estou chorando, meu bem.
Talvez o calor também me faça lacrimejar. Sei la mais quais sintomas posso ter quando o sol aparece.
Certo, eu tomo o chá, já que você insiste tanto. Não vai resolver.
Agora só o que poderia me acalmar seria seu colo de dia frio, seu colo quente de dia frio.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Sinto a necessidade mais profunda me invadir.
Mas o que?
Que sensação devo traduzir?
Posso falar de flores,
Posso falar chuva,
Posso falar desta alegria de viver você.
Mas não, não é o bastante.
Talvez fale que te amo,
mas isso não é tudo
Eu te admiro o tanto que te amo e te desejo o tanto que te admiro e te espero o tanto que te desejo e te preciso o tanto que te espero e assim para sempre com qualquer coisa que possa sentir por ti.
Talvez te agradeça.
Te agradeça pelo meu sorriso que é reflexo do que vem de ti, pelo teu sorriso que é recompensa pelo que vai de mim.
Pelas noites e manhãs no teu calor, pela tua paciência absorvendo minha frieza.
Pelas cores e pelos sabores, pelo jogo de sentidos, por ter resgatado em mim a quase extinta capacidade de sentir.
Te agradecer também não é o bastante, preciso retirubuir.
Posso dizer que quero retribuir.
Retribuir toda a leveza dos meus dias e toda realização das minhas espectativas,
cada sonho e fantasia, cada pulo de alegria.
Posso falar da nossa rotina, das nossas fugas, dos nossos planos, das nossa lutas.
Posso falar do nosso começo, da descoberta, da certeza.
Posso falar do colo, do afago, do abraço.
Posso falar do beijo forte, do beijo de alento, do beijo de paz, do beijo de perdão ou do de tesão.
Posso passar a eternidade falando, mas nada parece bastar,
Nada diz realmente o que quero dizer.
Creio que pela primeira vez vou ignorar minha vontade de escrever,
o que quero escrever é a única coisa que vai além das palavras.
Não há expressão que defina.
É algo que só se entende quando os olhos se encontram e falam por si.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Mais cuidado com o que fala!
Você sonha ser como eu e os outros
Você sonha ser como nós.
Eu sei
Inteligência, alegria, amizade e beleza
São elementos invejáveis
E a inveja sempre se manifesta alada à arrogância e a mesquinhez.
Deixe de almejar tanto!
Uma alma pequena não constrói algo grande.
Destruir o que almas livres constroem
Não aumenta e nem cria a grandeza que não é nata em você.
Conforme-se
As palavras têm uma força inacreditável.
Elas são arma, bomba, amuleto, escudo.
São verdade e são mentira.
Elas edificam, detonam, alentam, saturam.
São capazes e são eficazes.
Mas o principal:
As palavras ecoam
Soam e ressoam
Retumbam no espaço.
O que poucos sabem é que em algum lugar do universo elas refletem
E voltam pra você como resultado efetivo.
Palavras do bem refletem a você o bem.
Critique mais! Julgue mais sem mérito! Não olhe pra si, acuse mais! Condene mais, não reflita! Atire quantas pedras/palavras puder!
O reflexo em você logo será visto
E quem foi atingido pelos estilhaços dos seus adjetivos pobres verá você definhar.
Verá cair por terra o nada que você achou que levantava “quebrando a vidraça” de quem te cercava!
sexta-feira, 3 de julho de 2009
Chora sem culpa todo teu descontrole.
Sente
Sente até o fim a vertigem do teu medo.
Te conforma.
Esse peso é parte tua.
Essa dor é parte tua.
Não te despedaça,
Apenas vive a tua sina.
Te resigna ao teu destino.
Fecha as janelas para que não circule ar nesta tua vida miserável,
Fecha a porta para que teu temor não fuja,
Fecha as cortinas para que a luz não invada o cômodo escuro e poeirento que é teus dias.
Chora,
Chora mais
Chora como se chorar aliviasse,
Chora que como se chorar resolvesse.
Chora para disfarçar que tuas mãos foram atadas por tua mente e que teu coração se calou pelos teus pensamentos.
Chora como se não fizesse diferença.
As lágrimas não secam nunca, mas um dia a respiração susta e tudo isso acaba.
domingo, 14 de junho de 2009
Uma expressão saturada,
Ensaiando um sorriso
Que os músculos desmotivados não davam conta de sustentar.
Parecia inseguro,
Como quem dá passos no escuro.
Não sei o que eu procurava,
Mas já não via sequer resquício
Da antiga alegria exacerbada.
Será que eu procurava brilho naqueles olhos?
Se era, não encontrei. Só senti...
Por algo aquele olhar clamava.
Não! Não chorava! Mas implorava.
Havia deixado seu brilho em algum lugar do passado.
Não há como voltar aos lugares do passado,
São jardins cerrados onde jamais alguém irá entrar.
Sua beleza só é viva na memória dos que ali pisaram.
Nem se arrepender é eficaz,
Esses jardins nunca se abrem para uma segunda visita ou para um passeio que não foi dado,
Afastam-se no tempo e inutilmente tentamos os localizar nos momentos solitários.
Nem perca seu tempo!
O brilho pelo qual você reclama não lhe foi roubado.
Foi deixado, esquecido por você
Em algum desses jardins que o tempo tratou de levar para longe.
E ainda que você o encontre,
Ele não se abrirá.
domingo, 7 de junho de 2009
E agora entendemos porquê tanta gente disse que não iriamos além.
Hoje ao meu lado, na cama vazia, não tem mais ele.
Não tem mais ele dirigindo o meu carro,
Não tem mais ele ascendendo um cigarro.
Não tem,
Não tem.
Não tem mais nós dois sob o sol na varanda,
Nem mais seu jeitinho que de insosso engana.
Não tem mais jantares, almoços, motéis,
Nem mais suas palavras cruéis.
Não tem,
Não tem.
Ainda Bem!
Ele fica melhor de boca fechada!
Não! Nnão foi um crime passional,
Aquilo nem era paixão.
Foi bem racional, homicidio intencional
E com a mesma frieza com que ele nem me dizia "bom dia" todas as manhãs.
terça-feira, 2 de junho de 2009
Não venham se despedir.
Não quero levar a imagem do sorriso dos que invejam
Nem das lágrimas dos que lamentam.
Não quero levar nada daqui,
Sequer quero levar algo de mim.
Vou vazia, limpa, leve.
Deixarei aqui toda essa sujeira, toda a bagunça, a mesquinhez.
Todo o orgulho por esse nada que construi
e agora deixo ao tempo,
deixo para o tempo destruir enquanto parto.
Eu parto para o desconhecido,
eu parto à procura do que procurar,
assim mesmo, bem perdida
mas sem o peso das certezas, dos limites, das determinações.
Eu parto à procura de algo em mim
Deixo para trás o "para" mim
e procuro o "por mim"
Preciso de algo por mim.
Eu parto sem mãos a acenar,
parto sem culpa e sem ressentimento.
Sei que partir é mesmo o único modo
de fazer notar que um dia estive aqui. "
domingo, 17 de maio de 2009
Ofertando ouro a quem a dor tinha empobrecido.
Aproximou-se mansamente
Oferecendo um pulsar novo
A um coração já quase parado.
Veio para tomar um café, dois.
Presenteou-me com um poema.
Citou-me “Entre Dois Cafés”.
Veio falando sobre Caio Fernando Abreu,
Descobriu Clarice Lispector,
Um ou outro trecho de Martha Medeiros.
Veio trazendo uma música alegre
Aos meus tímpanos mortos para o som do amor
Apreciou comigo: Lenine, Leoni, Lobão.
Veio com a timidez de um menino acanhado
Acabou por me beijar ao som de Beatles,
Assim mesmo, bem “retrô”
Trilha de um romance careta
Com espaço só para dois.
quinta-feira, 14 de maio de 2009
volta a limitar os meus passos,
a me fazer desfilar em uma corda bamba.
Sei que transpiro temor.
Sei que meus olhos refletem pânico.
Estou atenta ao fino limiar que ainda dividade a minha sanidade da loucura total.
A qualquer momento ele se rompe,
tudo bem... nada pode ficar mais confuso
nem mais escuro do que já está.
Minha mente apagou as luzes,
E só o medo zela por mim.
domingo, 26 de abril de 2009
Embora não sejamos mais os mesmos.
Ainda temos nas faces a mesma palidez,
Embora agora eu me sinta absoluta
E você pareça obsoleto, sem quem ria das tuas gracinhas ou ature tuas manias.
Aqueles dois também continuam a atender pelos mesmos nomes,
Embora não sejam mais os mesmos.
Também carregam em suas faces a mesma palidez,
Embora eu o sinta absoluto
E a oposta parte pareça aliada ao incerto, ao relativo, ao inconcreto.
Este composto de frases é inconcluso.
Um dia o terminarei com: "E todos viveram felizes para sempre"
terça-feira, 21 de abril de 2009
Penso,
Grito,
Sinto,
Corro,
Vivo,
Mordo,
Me bato,
Me quebro,
Me acabo,
Me parto em pedaços
Mando tudo para "o raio que o parta" e
Me recomponho depois.
Às vezes fico meio fora do esquadro
Então...
"Com o andar da coarroagem as melâncias se ajeitam"
Sou o que penso,
Não ligo.
Ou só ligo
E não penso.
Ou só sou,
Sem pensar.
Eu não presto para você,
Porque presto demais!
terça-feira, 14 de abril de 2009
Detesto esse ar quente,
Mas me acalmo pela seu anuncio de chuva.
Sei que o vento que bate não leva minha angústia,
E que a água que enxarca tudo
Não lava a imundície que você fez.
Mesmo assim não torço pra que você se afogue na poça lodo que criou,
Ainda espero que o sol brilhe nos seus dias.
Mas quando a seca ardida castigar o teu caminho
Nem pense em respirar o ar úmido do meu!
domingo, 12 de abril de 2009
Pedido simples, para iluminar minha vida
sexta-feira, 10 de abril de 2009
Preciso só mais uma vez,
Como um moribundo precisa de perdão,
Ver seu sorriso bem de perto.
Preciso, desesperadamente,
Com as mãos enxarcadas do tempo que passou
Tocar seu rosto sem culpa
E quero...
Com toda força do amor que ficou em mim
Te tomar nos meus braços
Te sentir...
vivo, quente, pulsando,
meu.
domingo, 5 de abril de 2009
Alguém tacanho, com o coração sôfrego os observava.
Eles pareciam crianças descobrindo o mundo.
Estavam se descobrindo,
se descobrindo um o mundo do outro.
Ela olhando para cima, vendo as folhas brigarem com o vento, contava uma história.
Ele, com os olhos arregalados e brilhantes a fitava e escutava atentamente:
- Sabe, a menina de quem falo era delicada como uma boneca e sutil como o ar, mas passava pela vida dos que entravam no seu caminho como um vendaval! Quando resolvia ir embora só deixava seu perfume marcante para regar de nostalgia a vida dos que ficavam.
Entretanto, no momento que ela menos esperava perdeu sua liberdade. Foi encarcerada! Sua "auto-clausura" era delimitada por grossas barras de apego, dependência, sentimento doentio.
Por um longo tempo não teve espaço para se mexer, dentro de um cárcere que ela mesma construiu.
Sem espaço desaprendeu a andar, adoeceu, sentia a loucura se aproximar.
Quem a via de fora não entendia como aquilo havia ocorrido. Não era normal! Não com ela!
Bom, mas como todos já esperavam, um dia qualquer ela se livrou das amarras.
Gritou insanamente, chorou até desmaiar e depois de cambalear se recuperou...
aos poucos voltou a andar e se equilibrar sobre as próprias pernas.
Em pouco tempo já estava correndo outra vez! Tinha até destino certo agora! Deixou de ser errante.
Depois que voltou a andar encontrou o lugar mais calmo e feliz do mundo e era para lá que ela sempre ia.
Foi nessa parte da história, querido, que uma pedrinha pequena e rústica invadiu seu sapato. Ela estava no meio do caminho e decidida a não parar, então mexeu seu lindo pézinho como pode a fim de acomodar a pedrinha.
Sabia que se ela não se acomodasse em um cantinho que não causasse incomodo ela a trituraria de qualquer forma!
Faria da pedra, pó!
Estava convicta!
Nada mais limitaria seus passos.
Sabe, a história não acaba aqui, mas eu ainda não descobri final.
Ele era um menino esperto, compreendia o que ela queria dizer nas entrelinhas lhe narrando aquilo.
E quem estava escondido, atento a eles resolveu se recolher. Entendeu que era pobre demais querer frear uma felicidade ascendente por puro capricho!
sexta-feira, 27 de março de 2009
quinta-feira, 12 de março de 2009
E do doce silêncio do vazio
Gosto do gosto de nada
Eu gosto da paz da solidão
Que me invade quando fico aqui
Eu gosto do nada insípido
do nada insone,
do nada insensível,
do nada invisível,
da ausência absoluta de cor.
Gosto do susto leve que é o nada, que só surpreende por ser nada.
Gosto da tranquilidade que é o "sem".
Gosto da segurança que é o não, o não que nega o novo.
o novo é o "com", o "com" assusta bruscamente, não é como o nada.
Não! Não ascenda a luz!
Não quero surpresas!
Onde nada habita
Também não habita a dor.
Onde nada se vê
Também não se sente.
Recuso a felicidade para evitar frustrações
Já me habituei ao nada completo
Ele me mantém entre o "sem" e o "não"
sábado, 7 de março de 2009
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Perguntou o rapazinho inquieto.
- A chuva passar!
Disse o outro, mais sereno.
- Não entendo! Há dias não chove na cidade.
- Para ela chove! A chuva brota de seu peito e escorre pelos olhos.
- E por que não sai dali?
- Ela gosta da chuva.
- Quem pode gostar da chuva?
- Quem gosta do choro!
- Como pode alguém gostar do choro?
- Alguém consegue sorrir o tempo todo?
- Entendi. Me avise a hora que ela perceber que meu amor por ela só faz sol!
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"- Um dia vi o Sol pôr-se quarenta e três vezes!E pouco depois acrescentaste:
- Sabes...quando se está muito, muito triste, é bom ver o pôr do Sol...
- E estavas assim tão triste no dia das quarenta e três vezes?
Mas o principezinho não me respondeu. " (O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry)
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
A água levou mansamente as horas do dia
Agora, a noite vem chegando com aquela aragem que bate na pele como se dissesse: - você está vivo!
E eu aqui, trancado.
Trancado no escuro, no fundo, no fim.
Trancado em mim.
Aqui, ardendo em febre
Transpirando saudades, ausências, ansiedade.
Uma febre nostálgica
Aqui, cultivando o egoísmo
Aquele de quem quer encurralar, agarrar, amarrar.
Mas o que?
A pergunta é:
Quem?
Eu continuarei aqui
Sentindo o coração bater oco,
Dizendo que ainda pulsa em mim o sangue
Sentindo o ar pesado
Dizendo que meus pulmões ainda precisam dele
Sentindo meu corpo
Dizendo, gritando, com a aragem da noite
Que fisicamente ainda vivo.
Talvez a noite traga algum conforto,
Apazigúe o susto que é saber disto
Preciso mesmo dormir/morrer um pouco.
Poema antigo que não diz muito sobre mim atualmente (ainda bem! hehehe), mas está valendo!